FAMÍLIA CORREIA (PINTO) DA PENAJÓIA |
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JOSÉ CORREIA PINTO (LEÃO DE CARVALHO), O
TIO “SOMBRIO” José Correia Pinto (Leão de Carvalho), o tio “Sombrio” por alcunha
familiar, nasceu no lugar do Santinho, freguesia de Penajóia, em 6 de Setembro
de 1830.
“Santinho,
José José,
filho legítimo de Joaquim Correia e sua mulher Dona Claudina Delfina, ambos
primeiro matrimónio e moradores no Santinho, desta Penajóia, neto paterno de
Dionizio Correa e sua mulher Eufrázia Maria, do Moledo, e materno de Avô incógnito
e Maria Luiza de SãoMartinho de Mouros; nasceu em seis e o baptizei solenemente
a catorze de Setembro de mil oitocentos e trinta. Foram padrinhos o Capitão José
Pinto Leão e sua irmã Donna Tereza Casimira, aquele de São Gião e esta de
Pouzada todos desta freguesia e testemunhas o mesmo Padrinho e o Reverendo José
da Conceição Moura, Cura desta freguesia de que fiz este assento. O Vigário
Bernardo José Leite Pereira. José
Pinto Leão de Carvalho O
Cura José da Conceição Moura”
Registo de baptismo de José Correia Pinto (Arq. Distrital de Viseu, Registos Paroquiais, Freguesia de Penajóia – Caixa
17-A, nº 4, fl.91 vº)
Os primeiros anos de vida de José Correia
Pinto não se conseguiram investigar por falta de registos ou relatos de
antepassados. Porém, lembro-me de ouvir a minha tia
Lucinda contar que o tio “Sombrio” muito cedo emigrou para o Brasil onde terá
feito fortuna, confeccionando e vendendo tamancos ou socos, como se quiser
chamar. Envidei muitos esforços para tentar
investigar a sua permanência e vida no Brasil mas não tive êxito. Também se sabe, por ter referido no seu
testamento, que foi casado duas vezes: “...
em primeiras núpcias com Dona Joaquina Rosa Pereira, de quem houve quatro
filhos, hoje todos fallecidos, em segundas núpcias com Dona Joaquina Rosa Pinto de
Queiroz, não havendo deste matrimónio filho algum...” Permitam-me, porém, a dedução de
considerar que deve ter contraído o primeiro matrimónio no Brasil e aí terem
nascido os seus quatro filhos. Penso que regressou do Brasil viúvo e com
os filhos já falecidos. O meu pai e tios contavam que o rumo económico-financeiro
da família poderia ter sido bem diferente se o meu avô, pai deles, tivesse
concordado com os desejos do seu tio, José Correia Pinto Leão de Carvalho.
E a história é a seguinte: O “Sombrio” tinha grande predilecção
pelo seu sobrinho António, meu avô. De volta à terra natal, Penajóia, vindo
do Brasil, rico e com ideias mais avançadas do que quando emigrou, resolveu que
seu sobrinho não devia casar e, se este lhe fizesse a vontade de não casar,
faria dele seu herdeiro universal. Que arranjasse as mulheres que quisesse,
incluindo a sua namorada Henriqueta, minha avó, mas casar nunca!... Só nessa condição herdaria todos os
seus bens (não se sabe o motivo de tal aversão ao casamento porque, embora
sendo um mulherengo, ele foi casado duas vezes, conforme relata no seu
testamento). Meu avô António, que amava a sua
Henriqueta, resolveu casar com ela, sem conhecimento do tio. Este, quando soube do casamento do
sobrinho, deserdou-o por completo. Mais tarde, voltou com a palavra atrás, a
pedido de alguns amigos muito influentes, deixando-lhe então o usufruto da
Quinta do Lodoeiro (raiz para os seus filhos). Quinta do Lodoeiro onde meu avô viveu com
a sua Henriqueta e onde nasceram meus tios e meu pai. Quanto à fortuna, deixou-a à Santa Casa
da Misericórdia do Porto, como veremos mais adiante. Na Quinta do Lodoeiro, havia um retrato do
tio “Sombrio”, ainda jovem, pintura que penso foi feita após o seu regresso
do Brasil, que me foi doado pela minha tia Lucinda e se encontra em meu poder.
José Correia Pinto (Leão de Carvalho) Deve ter regressado do Brasil, com mais ou menos 50 anos de idade, foi viver
para o Porto, adquiriu propriedades e outros bens, tornou-se um “bom vivant”,
vivendo dos rendimentos, frequentando a sociedade da época e adoptou os
apelidos “Leão de Carvalho”, de seus avós, conforme relata no seu
testamento. Mas deu provas de nunca ter esquecido a sua terra natal. Pela investigação efectuada na Santa
Casa da Misericórdia do Porto, onde me foram disponibilizados todos os
documentos relativos à execução do seu testamento e à doação que à mesma
efectuou, pude constatar que o tio “Sombrio” era uma pessoa muito bem
relacionada e conhecida na cidade do Porto da época, tendo ainda adquirido
conhecimentos sobre a sua personalidade, sua maneira de ser e viver.
Era o sócio nº 2815, com proposta datada de 16 de Março de 1885, do Ateneu Comercial do Porto, Instituição de convívio e cultura, fundado em 29 de Agosto de 1869, graças à iniciativa de alguns diligentes personagens da burguesia, esclarecida e liberal, da Cidade, com sede própria na Rua de Passos Manuel, nº 44, desde Maio de 1885 A sua proposta de admissão de sócio do Ateneu,
indica ter sido proposto pelo Clube Lusitano, do qual também seria associado. No ano do seu
falecimento, no Relatório e Contas da Gerência do Ateneu Comercial do Porto de
1907, no capítulo Necrologia, foi exarado um voto de pesar pela morte de quinze
associados do Ateneu, entre os quais figurava o nome de José Correia Pinto Leão
de Carvalho:
“A morte, no presente anno, veio roubar à nossa Instituição quinze
dos nossos queridos sócios, cuja perda sentimos com verdadeira mágua. Aqui deixamos exarados os respeitáveis nomes de tão illustres extinctos: .... José Correia Pinto Leão de Carvalho ....” Na mesma época, fez-se irmão da Venerável Ordem Terceira de S. Francisco, no Porto, tendo adquirido uma catacumba perpétua no respectivo cemitério, em Agramonte, para aí ser sepultado.
Talvez com a finalidade de disponibilizar
sepultura condigna para a família, mandou edificar, em 1893, o jazigo de capela
existente no cemitério de S. Gião, na Penajóia, tendo legado à Irmandade de
Nossa Senhora da Conceição, da mesma freguesia, 150.000 reis para a conservação
do mesmo. Nele, encontram-se sepultados meus avós,
alguns tios e outros familiares. Para se poder aquilatar da sua fortuna e
do seu relacionamento na vida económica e social da cidade
deve mencionar-se a relação dos seus bens móveis, doados à Santa
Casa, respigados das contas apresentadas à mesma pelo seu testamenteiro: - Possuía obrigações do Ateneu
Comercial do Porto e da Associação Comercial do Porto (possivelmente também
seria sócio desta Associação, mas as buscas efectuadas na mesma não me
conduziram a nenhum resultado); - Era accionista da Companhia Portuguesa
de Seguros, Banco Comercial do Porto e Companhia Portuguesa de Phosforos; - Era obrigacionista da Câmara Municipal
do Porto e das Classes Inactivas. Era amigo dos pobres e necessitados (pelo
menos, foi-o após a sua morte), tendo legado, por última vontade, várias
importâncias às seguintes Entidades e pessoas: - 100 Pobres da Penajóia - Jornal “O Comércio do Porto” para
beneficiência - Secção de Beneficiência de Socorros
Domiciliários da Santa Casa da Misericórdia do Porto. No aspecto assistencial e filantrópico,
legou também valores em dinheiro às seguintes Instituições: - Associação Philantrópica dos
Sapateiros (aqui penso haver uma ligação afectiva com a sua actividade no
Brasil – o fabrico e comércio de tamancos) - Seminário dos Meninos Desemparados de
Campanhã - Recolhimento das Meninas Abandonadas de
Santo Ildefonso - Meninos Orphãos da Graça - Hospital de Creanças Maria Pia - Asylo de São João - Asylo Profissional do Terço A muitos amigos, servidores e familiares
também legou dinheiro e valores vários, a saber: Libânia (aguadeira); Maria
da Conceição; às seis filhas de sua sobrinha Deolinda Correia; Thomaz Rubina;
Joaquim Correia (irmão); Anna Correia (cunhada); criada ao serviço na altura
do falecimento; lavadeira; barbeiro; Manuel Anceda Sernade (empregado do Café
Central); Maria Rosa (alugadeira); António Antunes Leitão; Francisco Pedro de
Magalhães; e perdoou um mês de renda a todos os caseiros que costumavam pagar
a renda mensalmente. A
Francisco Pedro de Magalhães, da Penajóia, com a finalidade de auxiliar os
testamenteiros no encargo de testamentaria, além da importância em dinheiro,
deixou a abetoadeira de brilhantes para o peito da camisa, o relógio e a
respectiva corrente de ouro. Na vertente religiosa e espiritual, foi
sua última vontade a celebração de missas por sua alma e dos seus pais e
parentes e cerimónias religiosas aquando da sua morte: Altar do Senhor dos
Milagres da Capella de São Gião, sete dias depois da sua morte; cinquenta
missas por sua alma e outras tantas por alma de seus pais e parentes falecidos;
sufrágios devidos pelo seu falecimento por parte das Irmandades de São
Salvador e da Senhora da Encarnação da Penajóia, de São Chrispim e São
Chrispiniano e da Venerável Ordem Terceira de São Francisco do Porto.
O remanescente da herança, excepto imóveis,
depois de liquidadas todas as despesas e satisfeitos todos os legados, foi
deixado à Santa Casa da Misericórdia do Porto, com sede na Rua das Flores,
Porto, ascendendo o seu valor a 8.502.245 reis, em dinheiro e títulos. Foi um legado de valor muitíssimo importante se atentarmos a que o custo de vida na época pautava-se por valores como os que, a seguir se apresentam.
Nota:
1$00 = 1.000 reis
Os valores doados, por testamento, de A vida das gerações Correia Pinto
vindouras poderia ter sido bem mais desafogada se o herdeiro do tio
“Sombrio” fosse o seu sobrinho
Relativamente aos imóveis que possuía,
todos foram doados aos seus sobrinhos, embora alguns em usufruto, e pelo menos
dois chegaram aos nossos dias na posse da família, como se poderá ver no
quadro também apresentado no final deste capítulo. Nomeou seus testamenteiros, pela ordem
hierárquica: - António José da Silva Braga - Manuel António de Faria Villaça - Maria Correia Pinto, sua sobrinha.
Porque considero que é um documento do
maior valor sentimental e documental que importa preservar e revelar às gerações
vindouras, apresento seguidamente a transcrição integral do testamento cerrado
de José Correia Pinto Leão de Carvalho:
“ Em nome de Deus Amen. Eu, José Correia Pinto Leão
de Carvalho, viuvo, proprietário e morador na rua das Taypas, casa numero
sessenta, freguesia de São Nicolau, desta cidade do Porto, achando-me em meu
perfeito juizo e entendimento e de perfeita saude, mas temendo a morte que a
todos é certa, resolvi fazer o meu testamento e por esta forma revogo outro
qualquer que tenha feito, dispondo do espiritual é minha ultima e verdadeira
vontade que o meu corpo seja amortalhado com a minha melhor roupa preta, e que
meu enterro seja feito sem pompa mas com decencia, e se eu aqui falecer nesta
cidade ou em qualquer parte, o meu corpo seja encerrado em caixão de chumbo e
trasladado para a catacumba que possuo no cemiterio da Venerável Ordem Terceira
de São Francisco em Agramonte da qual sou irmão. Que sete dias depois do meu
fallecimento, os meus testamenteiros mandem dizer uma missa por minha alma dar
esmola de dois mil reis no Altar do Senhor dos Milagres da Capella de São Gião,
freguezia de Penajoia de onde sou natural. Pelo abbade da dita freguezia ou quem
suas vezes fizer, depois de celebrada a missa o respectivo ecclesiastico
distribuirá a quantia de cincoenta mil reis a cem pobres dos mais necessitados
da dita freguezia sendo de quinhentos reis a cada um, com a obrigação de estes
assistirem à missa, sendo esta esmola dada por uma só vez. Que por minha alma
se digam cincoenta missas e cincoenta pelas almas dos meus pais e parentes
fallecidos, da esmola de quinhentos reis cada uma. Declaro que sou irmão de São
Salvador e da Senhora da Encarnação da freguezia de Penajoia, de São Chrispim
e São Chrispiniano e da Venerável Ordem Terceira de São Francisco d’esta
cidade, às quais se dará parte do meu fallecimento para me fazerem os
suffragios a que tenho direito. Dispondo do temporal. Declaro que fui casado em
primeiras nupcias com Dona Joaquina Rosa Pereira, de quem houve quatro filhos,
hoje todos fallecidos, em segundas nupcias com Dona Joaquina Rosa Pinto de
Queiroz, não havendo d’este matrimonio filho algum, podendo portanto dispor
livremente de tudo quanto possuo, o que passo a fazer pela forma seguinte.
Primeiramente declaro e advirto que durante muito tempo eu usei apenas do nome
de “Jose Correia Pinto”, com este nome adquiri alguns valores e titulos, que
ainda hoje assim possuo, e que há annos por haverem muitos nomes eguais e para
evitar confusão é que deliberei accrescentar ao nome primitivo com que me
assignava os cognomes de “Leão de Carvalho” de meus avós, ficando com o
nome de que uso agora e ao tempo, sendo sempre a mesma pessoa. Deixo a minha
sobrinha Maria, tudo que existir na casa de minha habitação n’esta cidade,
menos dinheiro, papeis de credito e roupa de vestir de meu uso, as quais roupas
serão divididas a sua vontade por meu irmão, filho e genro. Mais deixo à dita
minha sobrinha Maria que vive na minha companhia quatro moradas de casas
situadas n’esta cidade sendo: duas na rua das Taypas com os numeros cincoenta
e sessenta, outra na rua de São Roque dividida em duas com os numeros trinta e
oito e quarenta, e outra na rua de Bellomonte com os numeros quatorze, dezasseis
e desoito, com a obrigação de pagar os legados que deixo a diversos
estabelecimentos de caridade, o que deixo aos meus afilhados e a outras pessoas
contempeladas com pequenas esmolas, sendo as despezas do meu funeral pagas à
custa dos meus haveres. Deixo a minha sobrinha Emilia, duas moradas de casas,
sendo uma na Viella do Pasteleiro, d’esta cidade, com os numeros desasseis,
desoito e vinte e outra na rua do Prado com os numeros um e dois de Villa Nova
de Gaya. Deixo a minha sobrinha Deolinda, o usufruto enquanto viva fôr de uma
ilha de casas que possuo na Praça d’Alegria, desta cidade com os numeros
setenta e cinco, setenta e seis e setenta e sete, com obrigação de dar por uma
só vez a Libania, que tem sido minha aguadeira e feito recados, a quantia de
vinte mil reis, e egual quantia de vinte mil reis a Maria da Conceição, ambas
bem suas conhecidas. A propriedade da mesma ilha, a deixo aos filhos de ambos os
sexos da dita minha sobrinha Deolinda, para entre si dividirem em partes eguais.
Deixo às filhas de minha sobrinha Deolinda de nomes Izaura, Amelia, Rosa,
Delphina, Anna e Maria a quantia de cem mil reis a cada uma, e que minha
sobrinha Maria lhe entregará quando qualquer das referidas filhas de minha
sobrinha Deolinda casar ou atingirem a edade de vinte e cinco anos, pagando-lhe
esta os juros deste capital de tres por cento ao anno para ajuda de se vestirem,
pesando este legado nas casas da rua de Bellomonte de numeros quatorze a
dezoito. Deixo a meu sobrinho Antonio, o usufruto enquanto elle vivo fôr, da
minha quinta que possuo e situada no Lodueiro, freguezia de Penajoia. E a
propriedade da mesma quinta a deixo a seus filhos d’ambos os sexos em partes
eguais, com a obrigação tanto para uns como para outros, de anualmente e em
quanto vivos forem, mandarem dizer uma missa por minha alma no dia do
anniversario do meu fallecimento, da esmola de dois mil reis, que será dita
pelo abbade da freguezia de Penajoia, ou por quem suas vezes fizer, e de darem
tambem annualmente a vinte pobres dos mais necessitados que assistirem à missa,
a quantia de quinhentos reis a cada um, a qual distribuição deverá ser feita
pelo ecclesiastico que celebrar a missa. Esta obrigação deve ser cumprida,
primeiramente pelo usufructuario e depois do seu fallecimento por seus filhos os
proprietarios, não podendo nunca esta obrigação exceder a cincoenta annos,
pois que completados elles cessará esta obrigação. Deixo à Associação
Philantropica dos Sapateiros e mais artes colectivas, d’esta cidade, para
ajuda de socorrer os seus associados, a quantia de cento e cincoenta mil reis,
com a obrigação de me mandar dizer annual e perpetuamente uma missa por minha
alma no dia do anniversario do meu fallecimento. Deixo a quantia de vinte mil
reis, a cada um dos meus afilhados de ambos os sexos que o provem ser pelas
respectivas certidões de baptismo, excepto Thomaz Rubina, filho de Avelino
Antonio Pinheiro Rubina, pois que a esse deixo a quantia de cincoenta mil reis.
Deixo a quantia de cincoenta mil reis a cada um dos seguintes estabelecimentos
de caridade desta cidade do Porto e por uma só vez: Hospital de Creanças Maria
Pia, Irmasinhas dos Pobres, Seminario dos Meninos Desamparados de Campanhã,
Recolhimento das Meninas Abandonadas de Santo Ildefonso, Meninos Orphãos da Graça,
Asylo de São João e Asylo Profissional do Terço com a obrigação de cada um
d’estes estabelecimentos mandarem dizer por uma só vez, uma missa por minha
alma e assistirem ao meu funeral. Deixo a meu irmão Joaquim Corrêa e a sua
mulher Anna Corrêa, a quantia de vinte mil reis a cada um para seu luto e mais
lhes deixo uma promissoria do Banco Lusitano da quantia de setenta e oito mil,
tresentos e quarenta reis, a vencer juros de quatro por cento, e sendo a
referida promissoria sorteada antes do meu fallecimento, ficam os meus
testamenteiros obrigados a entregar a meu irmão a importancia da mesma
promissoria que como acima fica dito, é de setenta e oito mil, tresentos e
quarenta reis. Deixo à redacção do jornal o “Commercio do Porto” d’esta
cidade, a quantia de cem mil reis, sendo d’esta quantia cincoenta mil reis
para distribuir à sua vontade pelos pobres mais necessitados d’esta cidade, e
a restante quantia de cincoenta mil reis para a secção de beneficiencia de
socorros domiciliarios da Santa Casa da Misericordia do Porto. Deixo a quantia
de cento e cincoenta mil reis, para ser convertida em papeis de credito do
Governo, e os seus rendimentos serem entregues à pessoa encarregada de zelar
pelo cemiterio de São Gião, com a obrigação para essa pessoa zelar tambem
pelo meu jazigo que possuo no mesmo cemiterio, de forma que elle se encontre
sempre limpo e bem conservado. Deixo à creada que estiver ao meu serviço por
occasião do meu fallecimento, a quantia de vinte mil reis e por uma só vez.
Deixo à minha lavadeira, ao meu barbeiro, a Manuel Anseda Cernade, empregado no
Café Central d’esta cidade do Porto e a Maria Rosa alugadeira da Ilha da Praça
das Flores, digo da Praça d’Alegria, a quantia de dez mil reis a cada um.
Fica ao cuidado de meus herdeiros a vigilancia e fiscalisação para fazerem
cumprir a minha disposição relativamente à limpeza e conservação do meu
jazigo, não consentindo que no mesmo seja enterrado qualquer cadaver, ainda que
seja meu parente, e caso a pessoa encarregada de zelar pelo referido meu jazigo
se desleixe fazerem entrega dos rendimentos das referidas inscripções a outra
pessoa por elles escolhida, mas nunca sendo meu parente. Deixo a meus sobrinhos
Antonio e Emilia todos os bens mobiliarios existentes na casa de habitação da
minha quinta do Lodueiro, para entre elles serem divididos em partes eguais.
Perdô-o um mez de renda a todos os meus caseiros que costumam pagar a renda
mensalmente. Deixo à Veneravel Ordem Terceira de São Francisco d’esta cidade
do Porto de cuja sou irmão, a quantia de cem mil reis, com a obrigação de
annualmente e no dia do anniversario do meu fallecimento mandar dizer uma missa
por minha alma. Deixo ao meu amigo Antonio Antunes Leitão, a quantia de
cincoenta mil reis, para comprar uma
prenda à sua vontade, como recordação da nossa muita amizade. Depois de
liquidadas todas as despezas e satisfeitos todos os legados, deixo o
remanescente da herança à Santa Casa da Misericordia, desta cidade do Porto.
Nomeio para meus testamenteiros: em primeiro logar ao Excellentissimo Senhor
Antonio Jose da Silva Braga, em segundo logar ao Excellentissimo Senhor Manuel
Antonio de Faria Villaça e em terceiro logar a minha sobrinha Maria Correia
Pinto, todos d’esta cidade. Para auxiliar em commum com qualquer d’aqueles
meus testamenteiros pela ordem mencionada, que aceite o encargo da
testamentaria, nomeio em quarto logar o Excellentissimo Senhor Francisco Pedro
de Magalhães, da freguezia de Penajoia, ao qual deixo como remuneração dos
seus serviços, a quantia de cem mil reis, a minha abetoadeira de brilhantes
para o peito da camisa, o meu relogio d’ouro e a minha corrente do mesmo
metal. Aquele dos testamenteiros que tenha de exercer a testamentaria com o
quarto, deixo tambem como remuneração dos seus serviços, a quantia de
duzentos mil reis, e o meu anel d’ouro com brilhantes. É este o meu
testamento que mandei escrever, li, achei conforme o tinha dictado, e vou
assignar e rubricar o qual quero que se cumpra como n’elle se contem no praso
de dois annos a contar do meu fallecimento, e por este como já disse, revogo
outro qualquer que com data anterior appareça. Declaro que, se o primeiro
testamenteiro não aceitar a testamentaria, passará o legado que deixava a este
para qualquer dos outros testamenteiros nomeados que acceitem a referida
testamentaria. Porto, vinte e seis de Outubro de mil novecentos e cinco. Declaro
mais que Maria Rosa alugadeira da Praça d’Alegria aqui contemplada com a
quantia de dez mil reis meus testamenteiros lhe deem mais outros dez mil reis
perfazendo a quantia de vinte por uma só vez. José Correia Pinto Leão de Carvalho”
Faleceu na sua
casa da Rua das Taipas, nº 60, na cidade do Porto, em 12 de Outubro de 1907,
com 77 anos de idade, sendo do seguinte teor a sua certidão de óbito:
“Alberto
Cardoso Guimarães, Ajudante da Terceira Conservatória do Registo Civil do
Porto, em exercício no impedimento do respectivo Conservador. Certifico
que dos livros de registo paroquial de óbitos da freguesia de São Nicolau,
desta cidade, arquivado nesta Conservatória, referente ao ano de mil novecentos
e sete a folhas trinta e nove verso e sob o número cento e cincoenta e cinco se
encontra um registo do teôr seguinte: À
margem – Número cento e cincoenta e cinco. José Correia Pinto Leão de
Carvalho, viúvo. No
texto – Aos doze dias do mês de Outubro do ano de mil novecentos e sete, às
quatro horas da manhã na casa numero sessenta da rua das Taipas, desta
freguesia de São Nicolau, bairro ocidental da cidade e diocese do Porto,
faleceu não tendo recebido os Sacramentos da Santa Madre Egreja, um individuo
do sexo masculino por nome José Correia Pinto Leão de Carvalho, de idade de
setenta anos (aqui
há um erro pois tinha setenta e sete anos e não setenta),
proprietário, viúvo de Joaquina Rosa Pinto de Queirós, natural da freguesia
de Penajóia, concelho e diocese de Lamego, e morador na dita casa e rua, filho
legítimo de Joaquim Correia, jornaleiro e de Delfina Claudina (outro erro
porque o nome correcto é Claudina Delfina de Jesus), doméstica, naturais também de Penajóia, o qual fez testamento, não
deixou filhos e foi sepultado no cemitério de Agramonte. E para constar lavrei
em duplicado este assento, que assino. Era ut supra. O abade, José Gonçalves
Bertão. Está conforme ao próprio original a que me reporto. Porto e Terceira
Conservatória do Registo Civil em doze de Dezembro de mil novecentos e trinta e
oito. O
Ajudante em Exercício”
Teve responso, rezado por três clérigos e dois sacristães, além de meninos
do coro, na Igreja da Venerável Ordem Terceira do Carmo, na noite de 13 de
Outubro. I
Catacumba Perpétua de J.C.P. Leão de Carvalho e de M.C. Pinto Cemitério Privativo da Ordem Terceira de S. Francisco, Cemitério de
Agramonte, Porto
Foi sepultado, no dia seguinte, na catacumba nº 51 do Cemitério Privativo da
Ordem Terceira de S. Francisco, no Cemitério de Agramonte, no Porto.
Na mesma
catacumba também se encontra sepultada sua sobrinha, Maria Correia Pinto,
falecida seis anos mais tarde, a 13 de Outubro de 1918.
Os anúncios do
seu falecimento e missa do 7º dia foram publicados no “Jornal de Notícias”
de 13 e 17 de Outubro de 1907, respectivamente, e no Jornal “O Comércio do
Porto”, em 29 de Outubro e 12 de Novembro de 1907.
José Correia Pinto Leão de Carvalho, como importante benfeitor da Santa Casa
da Misericórdia do Porto, teve direito a figurar na respectiva galeria com um
retrato (apresentado acima), pintado por Alfredo N. Santos, que constitui o nº 131 do Inventário
da mesma Santa Casa. Diga-se que, a reforçar a constatação
de José Correia Pinto Leão de Carvalho ser uma pessoa muito rica e bem
relacionada no Porto, está o facto de, em consulta ao Dicionário de Pintores e
Escultores Portugueses, da autoria de Fernando de Pamplona, ter encontrado a
seguinte referência ao autor deste retrato: “Santos (Alfredo Nunes dos) Pintor
do século XIX. Discípulo distinto da Academia Portuense de Belas Artes, obteve
ali em 1888 o 1º prémio de Desenho. Figurou com pintura na Exposição de
Arte, em 1893, no Porto” É minha convicção que o retrato foi
encomendado e pago pelo nosso familiar, alguns anos antes de falecer, com o
intuito de figurar na galeria dos benfeitores da Santa Casa da Misericórdia do
Porto, após a sua morte. E deve ter tido um preço bem elevado,
tendo em conta o facto de o seu autor ser, na época, um famoso e agraciado
pintor.
Nas pesquisas efectuadas posteriormente à edição do livro, foi possível
averiguar os seguintes factos: - “Em
data de 24 de Agosto de 1853 se conferio Passaporte para o Rio Grande a José
Corrêa Pinto, natural de Lamego, d’estado solteiro, ocupação sapateiro, por
tempo de 30 dias, levando em sua companhia-----“ (Livro 3269 – Registo de Passaportes do
Governo Civil do Porto – Pág. 119) Donde se conclui que, efectivamente
emigrou para o Brasil, Estado do Rio Grande do Sul, cidade de Rio Grande, com 23
anos de idade.
- No Almanach
Histórico, Administrativo e Industrial da Cidade do Porto”, consta como
capitalista:
. no ano de 1883 – José Corrêa
Pinto Leão de Carvalho – Rua das Taypas, 54, Porto
. no ano de 1885 – Chega-se, assim à conclusão que já
tinha regressado do Brasil, pelo menos no ano de 1882, mas ainda não se
conseguiu determinar a data exacta. Porque não consta como negociante no referido almanaque, mas sim capitalista, transforma em certeza a tese anteriormente aventada que, não só regressou rico, como não mais trabalhou e passou a viver dos rendimentos até ao seu falecimento. |